segunda-feira, 31 de agosto de 2009

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Punctum
.Roland Barthes, no seu livro a Câmara Clara, diz-nos que as fotos que são verdadeiramente fotos para si, possuem dois elementos estruturais. 1) algo nelas desperta um interesse geral, «um afecto médio». A este elemento Barthes chama studium, palavra latina cujo significado imediato é estudo, gosto por alguém, «uma espécie de investimento geral». 2) este studium é quebrado por algo que salta da fotografia como uma flecha e o trespassa. É o punctum da foto, palavra que remete para picada mas também para pontuação e marca. «O punctum de uma fotografia é esse acaso que nela me fere (mas também me mortifica, me apunhala)». O acaso tem uma importância decisiva na visão de Barthes da fotografia, desvalorizando, por isso, as fotos encenadas.Segundo esta maneira de ver a fotografia, uma foto pode ser totalmente inerte, despertar um interesse geral sem punctum, ou atingir profundamente o espectador. Investidas de studium mas sem punctum as fotos agradam ou desagradam sem tocar de forma especial. Estamos no âmbito do gosto/não gosto, «duma espécie de interesse vago».A uma foto cujo studium não é trespassado pelo punctum chama Barthes fotografia unária. «A fotografia é unária quando transforma enfaticamente a «realidade» sem a desdobrar, sem a fazer vacilar (…). A Fotografia unária tem tudo para ser banal, sendo a «unidade» da composição a primeira regra da retórica vulgar (…)»Barthes distingue punctum de «choque». Uma foto pode ser chocante e não perturbar. Pode gritar e não ferir.Barthes dá dois exemplos destas fotos unárias, que despertam um certo interesse sem no entanto o atingirem profundamente: as fotos de reportagem em geral e as fotos pornográficas. «As fotos de reportagem são recebidas, é tudo. Folheio-as mas não as rememoro; nelas, nunca um pormenor (em tal canto) vem interromper a minha leitura». A foto pornográfica é «como uma vitrina que, iluminada, só mostrasse uma única jóia, ela é inteiramente constituída pela apresentação de uma única coisa, o sexo: nunca há um segundo objectivo, intempestivo, que venha semiesconder, adiar ou distrair».O punctum pode ser um pormenor. «Nesse espaço habitualmente unário, por vezes (mas infelizmente, raras vezes) um «pormenor» chama a atenção. Sinto que a sua presença por si só modifica a minha leitura, que é uma nova foto que contemplo, marcada, aos meus olhos, por um valor superior. Este «pormenor» é o punctum (aquilo que me fere)». Mas o punctum não tem necessariamente de ser um pormenor pode ser uma situação de coopresença de dois elementos descontínuos ou algo difícil de detectar (está lá mas difícil de precisar).O punctum pormenor é uma espécie de «imobilidade viva: ligada a um pormenor (a um detonador), uma explosão produz uma estrelinha na trama (…) da foto». Barthes dá como exemplo deste punctum pormenor uma foto de Lewis H. Hime: Débeis numa instituição.Lewis H. Hime
Nesta foto «não vejo de todo as cabeças monstruosas e os horríveis perfis (isso faz parte do studium); o que vejo é o pormenor descentrado, a enorme gola Danton do rapaz, a ligadura no dedo da rapariga».O punctum pormenor pode estar em estado latente, não se tornar imediatamente evidente e manifestar-se muito depois, mesmo quando não temos já a foto à nossa frente. Como exemplo dá a foto Retrato de Família de James Van der Zee.
James van der Zee
Numa primeira aproximação o punctum pareceu a Barthes estar na cintura da rapariga e nos seus braços cruzados atrás das costas «mas, diz ele, a foto trabalhou dentro de mim, e, mais tarde, compreendi que o verdadeiro punctum era o colar que ela trazia rente ao pescoço: porque (…) era esse mesmo colar (fino cordão de ouro torcido) que eu sempre vira usado por uma pessoa da minha família e que, uma vez desaparecida essa pessoa, ficou fechado numa caixa familiar de velhas jóias». É este pormenor que se ligou à morte que se tornou punctum. Não é por acaso que a morte pode ter importância no punctum, na segunda parte do livro Barthes vai analisar a questão da essência da fotografia no plano do tempo e da morte.Barthes dá como exemplo de punctum enquanto coopresença de dois elementos descontínuos a foto de Wessing: Nicarágua, o exército patrulhando as ruas. Os dois elementos descontínuos são as freiras e os soldados.Wessing
Como punctum indetectável Barthes refere a foto de Mapplethorpe Phil Glass e Bob Wilson. «Bob Wilson capta a minha atenção, sem que eu saiba explicar porquê, ou seja, sem que eu saiba em quê: será o olhar, a pele, a posição das mãos, os sapatos de ténis?»
Mapplethorpe
O punctum não se deve confundir com o extravagante. Na foto de Nadar Savorgnan de Brazza, o elemento extravagante para Barthes é a mão do marinheiro na coxa de Brazza, mas o punctum da foto é a atitude de braços cruzados do outro marinheiro.

Nadar
O punctum não é algo reflexivo que ressalte duma análise consciente. Trata-se antes de algo pré-reflexivo, pré-consciente. O punctum, diz-nos ainda Barthes, «é uma mutação viva do meu interesse, uma fulguração. Através de qualquer coisa que a marca, a foto deixa de ser uma qualquer. Essa qualquer coisa fez tilt, provocou em mim um pequeno estremecimento, um satori, a passagem de um vazio.». Isto acontece «quando a retiro do seu «bla-bla» vulgar: «Técnica», «Realidade», «Reportagem», «Arte», etc.: nada a dizer, fechar os olhos, deixar que o pormenor suba sozinho à consciência afectiva».
Livro (a ler por todos os que se interessam por fotografia):Roland Barthes - A Câmara Clara, ed. 70, lisboa, 1981" colei do: http://filosofia-fotografia.blogspot.com/2007/07/punctum_8431.html; quem quiser ver as imagens correspondentes ao texto vai até lá. obrigado Magal!




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