terça-feira, 20 de janeiro de 2009

tiro dúvidas, mesmo salgado?




BARTHES E A LINGUAGEM FOTOGRÁFICA
by enio
Um bom texto do prof. Ênio Leite,sobre a linguagem fotográfica,fotografia não é só equipamento como muitos pensam aqui, é ter algo a dizer, uma forma de expressão.
Nascido em 1915, Roland Barthes continua sendo, até hoje, o nome mais conhecido da semiologia de origem francesa, como o crítico que pela primeira vez aplicou o método estruturalista à analise do conteúdo fotográfico.
O autor, em 1962, inicialmente parte de um modelo simples e notório nos estudos sobre linguagem. Como em toda mensagem, a mensagem fotográfica se compõe em três partes: emissão, canal e meio receptor. A primeira e a terceira impõem abordagem de procedência sociológica. Desta, porém, escapa o eixo mesmo do fenômeno - a decifração do canal. Assim acontece porque este - no caso presente, a mensagem fotográfica - constituindo sistema próprio, é uma forma de discurso anterior à análise sociológica, não suscetível de ser por ela imediatamente apreendido, embora acrescentemos passíveis de posterior interpretação também sociológica.
Barthes descobre que a fotografia deve ser indagada como manipulação de sistemas. E como tal, deve ser analisada neste aspecto. Funciona como montagem entre sistemas prévios aí aglutinado. O propriamente fotográfico, cujos constituintes imediatos são tonalidades, linhas e superfícies e seu referido contexto. Dentro desta démarche inicial, verifica-se o sistema fotográfico caracterizado, de início, por ser uma mensagem sem código, porquanto se pretenda a pura transcrição do real.
Documento absoluto de verdade, reprodução exata da realidade. Talvez para um olhar desatento, a fotografia tenha única e absolutamente estes papéis. Já um olhar observador vai mais longe: questiona a própria existência da fotografia, discute sua importância como aparelho reprodutor de ideologia.
É isso que faz Roland Barthes, em seu livro A Câmara Clara (1980). Aborda o enigma da fotografia exatamente no ponto o da linguagem. Barthes, como todo semiólogo, quer saber qual a estrutura da linguagem fotográfica. Barthes, fiel à sua tradição cartesiana, questiona-se, antes de tudo, sobre o método a seguir. A partir disso encontra-se, em todas as fotografias por ele examinadas, dois elementos inerentes à imagem que terão denominações em latim por falta de um correspondente em francês: o studium e o punctum. Studium é, em síntese, o interesse humano, cultural e político, estimulado pela imagem fotográfica. O studium, os referentes visuais que nos tocam humanamente, culturalmente e moralmente, mas permanecem em plano impessoal, sem nos atingir de forma especial. Por outro lado, o punctum, na concepção de Barthes, seria um elemento, um detalhe inadvertido que salta da fotografia e nos trespassa como uma flecha. Punctum seria, então, uma picada, algo que nos fere, que nos "punge". Neste contexto, o punctum faz o personagem "sair da fotografia" e assumir vida à parte, sendo, portanto, uma espécie de extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver. Nesses termos, conclui Barthes que a pintura pode muito bem simular a realidade sem jamais tê-la visto. O discurso, idem, com seus referentes muitas vezes quiméricos.
Na fotografia acontece o contrário, pois o próprio Barthes afirma que nunca poderia negar que a coisa fotografada realmente estivesse lá. Assim, vão absolutamente induvidosos dois pontos: a realidade do referente fotografado e seu passado. Uma fotografia é sempre uma imagem de algo. Está atrelada ao referente que atesta a sua existência e todo o processo histórico que o gerou. Ler uma fotografia implica em reconstituir no tempo seu assunto, derivá-lo no passado e conjugá-lo a um futuro virtual.
A foto faz um registro histórico do momento, um instante que não poderá ser reproduzido novamente, levando-se em consideração a época, os costumes e as tradições que ficam eternizados no instante fotografado. É por isso única e de caráter documental, segundo Roland Barthes. Machado, em sua obra A Ilusão Especular ressalta o mesmo caráter documental, "mas não através do que a fotografia pode dizer enquanto registro de um instante, e sim através de sua materialidade." Ou seja, para ele o que caracteriza o caráter histórico da foto é a definiçãodos elementos que a compõe enquanto um processo químico. Sua discussão trata a fotografia enquanto técnica. Barthes ressalta ainda o caráter conservador da foto. A imobilidade, fixação de um instante através da pose, é o que constitui a natureza da fotografia. A pose eterniza uma ficção e não uma realidade. A ficção decorre do fato de que a pose do fotografado é uma imagem criada, é a imagem que sequer passar, aquilo que imaginamos ser, e não o que somos.
Pode-se dizer que a foto realmente eterniza uma imagem mesmo que esta não corresponda à verdade absoluta, mas a uma verdade fabricada, aquela que sequer passar adiante. O caráter subjetivo da fotografia não pode ser desprezado. A imagem retratada, ao mesmo tempo em que apreende o real, reflete o ponto de vista de seu autor.
A falta de uma análise marxista no domínio da filosofia da linguagem, mais notadamente a fotografia e posteriormente o cinema, levaram V N Volochinov a desenvolver, no final da década de 1920, um estudo intitulado Marxismo e Filosofia da Linguagem. Ele sempre acreditou que as ideologias não podem ser tomadas como outra coisa senão como a solidariedade dos sistemas de representação do grupo social que os forjou em uma condição dada.
A concepção positivista do empirismo, que sempre se posicionou diante desse objeto de estudo, é de modo não o dialético, mas sim como algo intangível e imutável, ainda persiste. Na lingüística em si, após o positivismo, presenciamos um período marcado pela recusa de qualquer teorização dos problemas científicos, acrescentada de hostilidades oriundas dos positivistas retardatários, em relação às questões de visão de mundo. Assistimos, assim, a clara tomada de consciência dos fundamentos filosóficos dessa corrente e de sua interação com os outros domínios de conhecimento. Isso foi suficiente para transparecer a crise que a lingüística atravessa na sua inércia de solucionar problemas de maneira concreta e mais viável.
Para Volochinov, "tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo". Produto ideológico é parte da realidade, seja ela natural ou social, como todo corpo físico é instrumento de produção ou mesmo de consumo; mas, ao contrário destes, também reflete e refrata outra realidade, que lhe é exterior.
Desta forma, Volochinov parte da concepção de que tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. "Tudo que é ideológico é um signo". Portanto, sem signos não existe ideologia. O signo ideológico, dessa forma, resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados, razão pela qual as suas formas de manifestação decorrem da organização dessa manifestação.
Os signos também são objetos naturais e específicos. Por outro lado, todo produto natural, tecnológico ou de consumo, pode vir a ser signo e adquirir uma atribuição que ultrapasse suas próprias particularidades. O signo não se justifica apenas como fragmento da realidade; ele também reflete e refrata uma outra, também distinta. Nesse processo, o signo pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou ainda apreendê-la de um ponto de vista específico. Essa manipulação característica de todos os signos se justifica na medida em que todos eles estão sujeitos aos critérios de avaliação ideológica. Pode-se, então, concluir que o domínio ideológico coincide com o domínio dos signos. Portanto, "tudo que ideológico possui um valor semiótico".
As realidades materiais da ideologia são, portanto, os signos, entidades elementares que constituem todos os sistemas de representação. As ideologias, conforme vimos a partir da concepção de Volochinov, não podem ser vistas como algo diferente dessa realidade material que lhes dá corpo. Os signos são criados pelos grupos sociais no curso de suas relações, pois todo o fenômeno sígnico e ideológico é dado de uma forma material, como som, massa física, cor, movimento corporal e outras. Assim, a realidade do signo totalmente objetiva e unitária, pois o signo é um fenômeno do mundo exterior.
A definição clássica do signo seria "aquilo que está no lugar de alguma coisa". Generalizando, o signo existe para remeter alguma coisa fora dele mesmo, ou melhor, para representar algo que não é dele próprio. Mas, para Volochinov, essa representação ocorre de forma dupla e contraditória: os signos refletem e refratam a realidade visada pela representação. A modificação do signo é resultante do fato de que o mesmo não é uma entidade autônoma que representa os fenômenos do mundo com "pureza", sem qualquer mediação. Os instrumentos, os sujeitos, juntamente com os sinais materiais por eles constituídos, se interpõem na produção dos signos como elementos de refração da realidade e elementos que manipulam os sentidos segundo especificidades de sua realidade material, processo histórico e lugar na hierarquia social.
Portanto, o signo já é caracterizado pela natureza de classe do grupo que o produz: dentro do conflito de classes, a produção social do signo é a síntese das necessidades, interesses e estratégias da intervenção de cada classe social.Conceber o sistema de signos como uma estrutura estável e independente dos agentes que o produzem constitui uma abstração científica que leva a lugar nenhum. "As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios".
Abrindo um pouco mais esta discussão, Giséle Freund coloca "que toda a variação na estrutura social influi tanto no tema, como nas modalidades de expressão artística". No século XIX, era da máquina e do capitalismo moderno, notou-se como se modificava não só o caráter dos rostos nos retratos fotográficos, como também a técnica da obra de arte.Sabemos que as super-estruturas evoluem muito mais lentamente que as infra-estruturas, e, dessa forma, foi preciso mais de meio século para que a modificação ocorrida nas relações de produção fizesse sentir seus efeitos em todos os domínios da cultura. Assim, as transformações das formas de representação são resultantes de uma necessidade social muito específica, gerada pelo processo histórico pertinente, vinculada à ascensão burguesa em seu apogeu mercantilista.
O renascimento mercantilista já tinha lançado suas primeiras sementes para que o advento industrial pudesse multiplicar em larga escala esta nova concepção de mundo e finalmente gerar profundas transformações em todos os segmentos lingüísticos da sociedade. No entanto, se o avanço tecnológico a que o processo fotográfico está submetido for considerado, tem-se subsídios para contestar o seu caráter documental. Hoje não é mais possível aceitar a foto como conservadora ou como um processo que eterniza um instante. A tecnologia digital pode criar e recriar situações surreais. Pode acrescentar ou suprimir informações. Mas, este não é um privilégio único da era digital. A manipulação ou o "retoque fotográfico" sempre esteve presente, desde seu advento como "ferramenta".
O fato de a fotografia ser uma analogia do real não é suficiente para lhe conferir uma credibilidade imediata e absoluta; caso contrário, estaríamos lhe atribuindo um valor falso, um poder ilusório. Este poder da fotografia em falsificar os fatos e privilegiar os interesses de uma minoria dominante, foi amplamente utilizado pelos regimes políticos mais radicais para perpetuar a sua força, como se pode perceber no processo da nova ordem política que sucedeu a Revolução Russa, ou mesmo durante o governo de Mao Tse Tung, ou ainda na propagação do discurso nazi-fascista, que utilizaram amplamente a informação fotográfica, como falsa verdade.
Nesse período era comum "fabricar fotos" reconstituindo, muito tempo depois, fatos históricos isolados e sob o prisma de quem detinha as rédeas do poder. Os exemplos clássicos são as fotos da tomada do Palácio de Inverno de Petrogrado ou ainda a "Grande Marcha" de Mao Tse Tung. A manipulação não para por aí. Assiste-se assim não somente a eliminação da própria história e, conseqüentemente, das fotos que a testemunharam, mas também das personalidades que durante a implantação dos novos regimes passaram a não ser mais interessantes para as suas respectivas diretrizes governamentais. Havia também formas mais simples de falsear - sempre de baixo para cima - para enaltecer a grandeza do momento ou da personalidade em questão.
Outro ponto discutido por Barthes e que merece destaque é o fato da fotografia ressuscitar sentimentos ou, como diz o autor, ressuscitar o "morto". Esta é uma qualidade da foto que independe de seu tempo e do modo como foi produzida e pode atuar tanto em âmbito particular como coletivo. Em nível particular, uma foto pode reavivar sentimentos relativos a alguém que não está mais presente, ou trazer, por instantes, sensações vividas em determinada época e que já não existem mais.
De acordo com Barthes, a fotografia fixa um tempo que não volta, conserva, congela um momento por assim dizer. Completando seu pensamento, pode-se afirmar que a foto possui um caráter manipulador, mas conservador sob determinados aspectos, e não incondicionalmente. A fotografia, de fato, não representa apenas o resultado de um simples "clique".
A subjetividade que lhe é própria pode mentir, provocar, chocar, gerar cumplicidade, evocar sensações sensuais ou de dor, movimento, odor, som, etc. Proporciona prazer estético, e, também, manipular a opinião pública em favor dos interesses do próprio autor ou de seus respectivos "mecenas".
Toda arte é condicionada pelo seu tempo em consonância com idéias, aspirações, necessidades e esperanças de uma situação histórica em particular. Mas ao mesmo tempo, a arte supera essa limitação e, dentro do momento histórico, cria também um momento de superação que permite continuidade no seu desenvolvimento. O próprio fotógrafo exercita um trabalho intelectual. Raciocina, sente e produz por meio de seu intelecto criativo, padrão cultural, técnica e experiência de vida. A boa fotografia é resultado de árduo projeto e não um mero "acidente fotográfico".
Na fotografia existe a necessidade de se referir à linguagem da imagem. Um analfabeto não compreende o texto de jornal, mas pode ler parte das imagens, ainda que a mesma seja captada por processo "subliminar". O segundo motivo é o conhecimento dos elementos que compõem a imagem. Uma fotografia representando objetos ou fatos desconhecidos é tão ilegível quanto um texto escrito em idioma que não se conhece. A fotografia é um objeto antropologicamente novo e seu idioma comum pertence ao mesmo meio sócio-cultural.
Não se pode afirmar que a linguagem fotográfica é universal. Não há imagem fotográfica que possa ser interpretada da mesma maneira por diferentes povos. A própria história de vida do indivíduo e a classe sócio-econômica na qual está inserido também é um fator a ser considerado. A leitura de um texto se inicia com uma ação óptica e mental que se desenvolve simultaneamente, mediada por um contexto bio-social no qual o leitor já se encontra plenamente incorporado. O leitor primeiramente decifra as letras, para depois assimilar o sentido de cada palavra, estabelecer as relações entre as palavras e por fim tomar conhecimento da frase. Na fotografia, o processo de leitura, como veremos mais adiante, decompostos em três fases: a percepção, a identificação e, consequentemente, a interpretação.
Este processo diferenciado de leitura provoca reações emocionais mais espontâneas e mais intensas do que a leitura de um texto. Quando se lê um texto, as reações psicológicas também se desencadeiam imediatamente, por meio do sentido das palavras e das frases é, antes de tudo, mediado pela imaginação, para depois ser traduzido em imagens mentais. Na leitura da imagem fotográfica há um amplo e direto desencadeamento das reações emocionais e subliminares, pois esta já suprimiu essa fase intermediária que concebe mentalmente a imagem.
Desta forma, a fotografia de imprensa não tem condições de fornecer a decantada informação complementar, pois ela tem a necessidade de transmitir uma informação autônoma e não de complementar a informação já apreendida pelo texto. Ela deve fornecer um outro nível de informação que somente a linguagem fotográfica poderá transmitir. E essa linguagem somente se completará se forem utilizados todos os recursos visuais inerentes da fotografia, seja como forma de expressão, como técnica, ou ainda como mero documento.
Assim sendo, a linguagem fotográfica autêntica é, antes de tudo, uma necessidade. É importante que ela exprima os acontecimentos de maneira clara e sem a mínima sombra de dúvidas, e que situe a sua mensagem dentro de um espaço e de uma época. A imagem deve estar em sintonia com uma situação específica, vivida pela cidade e pelo local na qual ela se originou, e não com um país qualquer.
Examinando melhor os clássicos da fotografia, como W. Eugene Smith, Henri Cartier-Bresson e mesmo o fotojornalista brasileiro Sebastião Salgado, notamos que foi justamente por possuírem sujeito e circunstância que suas imagens puderam corresponder a certo momento determinado e não a qualquer momento aleatório da história moderna. O ambiente em si das imagens produzidas não é simplesmente um cenário ou uma paisagem. Essas imagens já identificam momentos de uma situação específica vivida somente naquele lugar, e não em outro qualquer. Sem fazer exotismos paisagísticos, ou fotos turísticas se pode perceber que dentro do imobilismo daquele fragmento do real, havia ambientes e fatos na expectativa de transformação.
Para saber mais:BAKHTIN, M. - Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Huditec, 1986.BARTHES, R. - A Mensagem Fotográfica. Teoria de Cultura de Massas. Adordo et al. Luis Costa Lima, org - #. Ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.BARTHES, R. - A Câmera Clara. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.MACHADO, A. - A Ilusão Especular: Introdução à Fotografia. São Paulo, Brasiliense / FUNARTE / Inst.Nac.Fotografia, 1984.PIGNATARI, D. - Informação. Linguagem. Comunicação. São Paulo, Perspectiva, s/d.SONTAG, S. - Ensaios Sobre a Fotografia. Rio de Janeiro, Arbor, 1981.
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