segunda-feira, 6 de agosto de 2007

MAIS UMA FLUSSADA PRA TIURMA...


Boas Maneiras
Vilém Flusser
Há várias maneiras de fazer uma tarefa. Algumas são boas. A ciência que procura descobrir quais as boas maneiras é chamada "metodologia". A questão é esta: será metodologia uma boa maneira para descobrir quais as boas maneiras? A resposta dependerá da nossa atitude. Por exemplo: podemos dizer que não importa que maneira é boa desde que se cumpra a tarefa. ("Os fins justificam os meios"). Ou podemos dizer que toda tarefa exige uma determinada maneira, e não admite outra. ("O problema contém a solução, ou não é problema"). Ou podemos dizer que a maneira como fazemos algo é o que conta, e não importa o que fazemos.("O estilo é o homem"). Ou podemos dizer que a maneira pode ser julgada apenas depois de cumprida a tarefa. ("São pelos seus frutos que serão conhecidos"). E há outras atitudes.

Uma coisa, no entanto, é certa; embora possam existir múltiplas atitudes quanto às boas maneiras, na prática, todos parecem estar de acordo atualmente: a maneira científica é a única boa maneira de fazer-se algo. Curiosíssimo acordo este. Curiosíssimo por muitas razões, e duas entre elas são estas: A ciência não quer saber o que é bom, uma vez que para ela todas as coisas neutras, nem más nem boas. Quem diz, portanto, que a ciência é uma boa maneira está falando anti cientificamente. E a ciência é a primeira a admitir que a sua maneira de fazer é falha, tanto na prática quanto na teoria. Na prática, porque tenta e erra. E na teoria, porque não consegue justificar-se. Então quem diz que a ciência é uma boa maneira nada sabe a respeito da maneira como a ciência faz coisas. Mas o acordo persiste.

Por quê? Porque obviamente a maneira científica funciona: aviões voam, alto-falantes falam alto, e bombas de hidrogênio matam eficientemente. Mas o que significa "funciona"? Quer dizer isto: é uma boa maneira para cumprir tarefas das quais não sabe se são más ou boas, e das quais não quer saber nada disto. Pede, portanto, que seja inventada uma maneira não científica para dizer quais as más tarefas, e quais as boas. Tal maneira ainda não foi inventada, e seria ela a verdadeira "boa maneira". A sua falta é a chamada "crise de valores". Enquanto não for inventada, nenhuma maneira pode ser boa.

A maneira científica de fazer as coisas prevalece atualmente, e criou dois problemas: estamos esquecendo outras maneiras, ("despolitização"), e fazemos para fazer, sem pensar nas tarefas, (sempre mais automóveis). Acreditamos que os problemas da ciência podem ser resolvidos apenas com mais ciência, cientificamente. Péssima maneira.

Publicado originalmente em Veículo data

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Este artigo faz parte de Vilém Flusser: Olhares Brasileiros, uma publicação do CISC disponível em http://projetos.cisc.org.br/flusser Boas Maneiras
Vilém Flusser
Há várias maneiras de fazer uma tarefa. Algumas são boas. A ciência que procura descobrir quais as boas maneiras é chamada "metodologia". A questão é esta: será metodologia uma boa maneira para descobrir quais as boas maneiras? A resposta dependerá da nossa atitude. Por exemplo: podemos dizer que não importa que maneira é boa desde que se cumpra a tarefa. ("Os fins justificam os meios"). Ou podemos dizer que toda tarefa exige uma determinada maneira, e não admite outra. ("O problema contém a solução, ou não é problema"). Ou podemos dizer que a maneira como fazemos algo é o que conta, e não importa o que fazemos.("O estilo é o homem"). Ou podemos dizer que a maneira pode ser julgada apenas depois de cumprida a tarefa. ("São pelos seus frutos que serão conhecidos"). E há outras atitudes.

Uma coisa, no entanto, é certa; embora possam existir múltiplas atitudes quanto às boas maneiras, na prática, todos parecem estar de acordo atualmente: a maneira científica é a única boa maneira de fazer-se algo. Curiosíssimo acordo este. Curiosíssimo por muitas razões, e duas entre elas são estas: A ciência não quer saber o que é bom, uma vez que para ela todas as coisas neutras, nem más nem boas. Quem diz, portanto, que a ciência é uma boa maneira está falando anti cientificamente. E a ciência é a primeira a admitir que a sua maneira de fazer é falha, tanto na prática quanto na teoria. Na prática, porque tenta e erra. E na teoria, porque não consegue justificar-se. Então quem diz que a ciência é uma boa maneira nada sabe a respeito da maneira como a ciência faz coisas. Mas o acordo persiste.

Por quê? Porque obviamente a maneira científica funciona: aviões voam, alto-falantes falam alto, e bombas de hidrogênio matam eficientemente. Mas o que significa "funciona"? Quer dizer isto: é uma boa maneira para cumprir tarefas das quais não sabe se são más ou boas, e das quais não quer saber nada disto. Pede, portanto, que seja inventada uma maneira não científica para dizer quais as más tarefas, e quais as boas. Tal maneira ainda não foi inventada, e seria ela a verdadeira "boa maneira". A sua falta é a chamada "crise de valores". Enquanto não for inventada, nenhuma maneira pode ser boa.

A maneira científica de fazer as coisas prevalece atualmente, e criou dois problemas: estamos esquecendo outras maneiras, ("despolitização"), e fazemos para fazer, sem pensar nas tarefas, (sempre mais automóveis). Acreditamos que os problemas da ciência podem ser resolvidos apenas com mais ciência, cientificamente. Péssima maneira.

Publicado originalmente em Veículo data

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Este artigo faz parte de Vilém Flusser: Olhares Brasileiros, uma publicação do CISC disponível em http://projetos.cisc.org.br/flusser

2 comentários:

Anônimo disse...

Aplicada ótima essa!

A maneira certa de fazer o lance é descarrilhar, deixar o navio cheio de água.

Método científico traz progresso?

A massificação, a exploração, a esculhambação.

E que flussada essa heim meu caro!

Tem um galho de um gay galhardo no meu blog.

Abração.

Anônimo disse...

Obrigado por intiresnuyu iformatsiyu